A rede bem segura

Daniella Cor Flamarion
3 min readFeb 21, 2022

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Mãe e avó materna, duas partes da minha história ❤

Tem um troço bonito sobre fazer aconselhamento biográfico. É um tipo de terapia que percorre a sua história antes mesmo de você nascer, depois acompanha cada pedaço dela — de 7 em 7 anos — até o dia de hoje.

Eu comecei com a Olivia Gonzales, uma terapeuta antroposófica maravilhosa que encontrei no acaso proposital da internet alguns. O processo que deveria começar e terminar em 4 meses já se estende há 6 e vai durar bem mais que isso. É que a Olivia tem a delicadeza que considerar quem eu fui e quem eu sou. Escuta tanto a história dos meus familiares como as cotidianices que acontecem em casa com meus filhos.

Pesquisar a história dos meus avós e dos meus pais com atenção me aproximou muito deles. Me colocou nesse lugar de olhar com os olhos na mesma altura, de tentar sentir como eles sentiram, de tentar entender as escolhas que eles tomaram e que até hoje eu tinha ficado alheia.

Olhar pros meus antepassados com atenção me cresceu o carinho que tenho por eles. O respeito pela história marcada por pobreza e dramas familiares. Me fez ver também como eu sou um apanhado de tudo isso, como trago no fundo dos meus olhos o que eles viveram sem mesmo ter me dado conta disso antes.

Minha bisavó materna, com quem tive uma relação muito gostosa até o fim de sua vida, fugiu do primeiro marido quando morava na roça por medo de ser morta por ele, que constantemente a machucava e ameaçava. Enquanto fugia com os dois filhos ela foi surpreendida pelo marido, que arrancou-lhe dos braços as crianças e ameaçou matá-la caso voltasse para tentar pegá-los de volta.

Eu só conheci essa história, em resumo, quando era jovem. Conheci também os primeiros filhos de minha bisavó — que depois se casou novamente e teve a minha avó e meus tios-avós.

A dor de ser abusada, de ter perdido contato com os filhos, de depois ser negada por um deles. A dor, tanta dor. De tentar refazer a vida longe de casa, de casar-se de novo e não dar certo, e casar-se mais uma vez com um homem que bebia e era mulherengo. De não ter aprendido a ler e a escrever, de ter trabalhado na roça até mudar pra cidade, onde ela e as filhas trabalhavam como limpando casa pra garantir o sustento.

Nessa investigação biográfica, eu me conecto sobretudo às mulheres que vieram antes de mim e que abriram caminho para que eu seja quem eu sou. Que de alguma forma levaram a bandeira um pouco mais adiante — que lutaram por sobrevivência, pra ter escolhas, por liberdade. Minhas bisavós, minhas avós, minha mãe. Pra que hoje eu fosse uma mulher cheia de escolhas e com a sensação de liberdade — não plena — mas uma liberdade confortável para viver.

Outro dia, na cozinha, minha mãe me disse “vocês são tão corajosos, mudam de profissão, você criou uma empresa, faz o que quer”, ela disse como quem diz “vocês são assim, mas eu não”. Minha resposta foi: “você me criou pra ser assim, você me deu condições pra isso.”

Eu posso voar porque antes de mim dezenas de pessoas costuraram uma rede segura na qual eu posso me apoiar se eu tiver algum tropeço. A minha coragem, a minha confiança é fruto da plantação vistosa que minha mãe, minha vó, minha bisavó semearam e cuidaram.

Obrigada por isso. E por tudo mais.

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Daniella Cor Flamarion

Empreendedora e escritora. Cofundadora da Fair&Sale, autora de Poemas e Plantas, mãe do Ravi e do Noah. Entrepreneur, writer and mom. Cofounder at Fair&Sale.